sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Amém, maldito.

Ando com um sentimento inédito ultimamente.
Inédito no que se refere a sentir, por que já esse sentimento aparecendo em algumas outras poucas pessoas e sendo retratado aqui e ali.

É quando você se sente cansado e frustrado com a sua própria cultura. Cultura no sentido amplo do termo: estou cansado da formação e da estrutura da cultura ocidental.

Ela é confusa, cínica, hipócrita, contraditória. Vivemos no mundo do prazer imediato, do estímulo a euforia coletiva, do fomento ao consumo e, simultâneamente, no mundo da culpa, da humildade e da temperança.

Em outros contextos históricos, o ocidente passou fome e quase ficou para trás na corrida das civilizações. Agora, nunca tivemos tanto alimento disponível e tanta abundância. E, nesse mesmo agora, vivemos no mundo do regime, do transtorno alimentar, da bulimia. A televisão alterna entre anúncios de lanchonetes, super mercados, marcas de cerveja e restaurantes para anúncios protagonizados apenas por pessoas magras, muitas delas vendendo aparelhos de exercício físico. Mas esse é só um exemplo. Somos convocados a consumir produtos altamente calóricos mas também a vê-los como O INIMIGO. Precisamos e temos o desejo de comer, mas também somos pressionados a não fazê-lo, com medo da balança e da rejeição. Nasce aí uma das várias contradições angustiantes: como e mato meu desejo ou me controlo em nome do ideal de magreza, sabendo que o desejo voltará várias vezes ao dia pelo resto da minha vida? Antigamente, agulhas, barras de ferro e cordas eram bons instrumentos de tortura. Hoje em dia, basta comer uma barra de chocolate. Nosso sistema econômico, conclui-se, é movido pela angústia e pela falta. Ele não seria possível em uma sociedade de pessoas satisfeitas.

E essa não é a minha questão principal. O fato da nossa cultura ter transformado o prazer de comer em tortura é só um simples incômodo. O que me incomoda mesmo, no geral, são contradições ainda mais profundas como, por exemplo, o "maniqueísmo" cristão. Por causa da nossa herança cristã, não conseguimos evitar de separar o mundo entre o bem e o mal. O bem, para destruir o mal, pode matar, atirar, ser violento e até roubar. É o que vemos nos filmes, nos livros, nos contos de fada, na TV e na nossa vida. Nos relacionamos uns com os outros de acordo com esses termos. Canonizamos e endemonizamos pessoas próximas a nós o tempo todo. Somos intolerantes com colegas, amigos, vizinhos, familiares e desconhecidos. Vivemos, sem admitir, em uma cultura violenta. Uma cultura de combate impiedoso e eterno ao mal. E os maus as vezes são pessoas que até ontem eram boas aos nossos olhos. Basta um erro ou as vezes um rumor, um boato e uma desavença para lidarmos com outros seres humanos como lidaríamos com demônios.

Tudo isso em uma cultura que se vê como pacífica, apoiada no exemplo de amor e de paz de Jesus Cristo. Contraditoriamente, a mesma cultura que celebra seu momento máximo na sangrenta cena de crucificação desse mesmo homem e que come sua carne e bebe seu sangue (simbolicamente) em rituais sagrados.

Eu vejo uma série de discursos endemonizantes conquistando cada vez mais adeptos com o passar dos dias. E não são discursos novos. São repetições de discursos antigos. A santa inquisição não é mais convocada pela igreja católica contra protestantes e quaisquer outro tipo de herege. Ela é convocada por partidos políticos e por novas vertentes do cristianismo, e seus alvos são outros comportamentos, outras religiões e outros grupos. Homossexuais, índios, sem-terra, nordestinos, etc. E os adeptos substituem ativamente discursos antigos pelos mais atuais.

Os alvos, por sua vez, vêem em seus algozes a face do demônio. Ambos, no fim das contas, enxergam o lado oposto como demoníaco, desprezível e indigno de qualquer salvação.

Eis que me deparo com meu problema. Senti-me endemonizado algumas vezes na minha vida, mas nunca havia vivido uma polarização tão grande e tão cheia de raiva e baixarias como a dessas últimas eleições. E, de repente, percebi onde eu estava. Eu estava de um dos lados, fazendo exatamente o que acusava meus opositores de fazer. Vendo-os como demônios, como imbecis e como indignos.

E percebi o quanto é difícil sequer colocar isso em perspectiva. No fundo, não deixei de vê-los com maus olhos. E me sinto frustrado por isso. E frustrado em perceber que a nossa cultura, ao contrário da imagem que ela hipócrita e cinicamente construiu para si, tem por base máxima a intolerância ao próximo.

Eu gostaria de não ser assim. Eu apenas imagino como seria viver em uma sociedade que ensina, de fato, a respirar e a se acalmar antes de responder a uma ofensa; a ler e examinar com atenção os vários pontos de vista antes de fazer um julgamento; a lidar amigavelmente com as diferenças e a entendê-las como contribuições; a conviver, ao invés de converter.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O oráculo

Semana passada foi cheia de experiências novas. Umas muito boas.
Outras, estranhas.

Na semana passada, fizeram uma festa surpresa pra mim que realmente me alegrou muito. Eu até levei um bolo de aniversário bem grande pra casa e fiz a alegria da minha mãe, que continua a comê-lo na semana atual.

Mas a experiência mais estranha que eu passei foi uma ida ao psicólogo da minha namorada. Ele parece adotar a linha da "psicologia sistêmica", que se resume em considerar a rede de relações de um indivíduo como objeto de compreensão e estudo. Mas, falando assim, parece legal, né? A psicologia sistêmica também considera que os problemas e sintomas do homem advém de causas físicas, psicologias e ESPIRITUAIS. Desse modo, ela também considera questões relativas à espiritualidade e tem por expoente Carl Gustav Jung. Eu nem vou dizer o que penso de Jung, para que ninguém se perca. O mais importante vem agora e resume toda essa pequena divagação sobre psicologia sistêmica.

Ao entramos na sala do psicólogo, ele nos apresentou um jogo de tabuleiro. O "jogo do amor". A propósta era que eu e a Maiara jogassemos o jogo e falassemos sobre nossas questões como casal. Se o jogo fosse usado como ferramenta para nos fazer falar, ótimo.
A questão é que esse psicólogo, assim que começou a falar do jogo, disse que a idéia dele se originou do ORÁCULO DE DELFOS. O sujeito parecia mesmo achar que o oráculo de Delfos era um santuário espiritual onde as pessoas se questionavam sobre a sua existência. Ignorando o total erro histórico dessa análise, começamos a jogar e foi aí que eu percebi o inacreditável: ele realmente acreditava que o jogo também era um oráculo. A idéia não era nos fazer falar e nos comunicarmos! Era contactar o além, através do jogo do amor, e fazer O ALÉM nos dizer se a nossa relação tem futuro. Para tanto, precisávamos energizar os dados com energia positiva ao jogá-los e fazer perguntas ao além com o coração aberto e comunicativo.

Essa foi a experiência mais curiosa que tive nesses últimos meses. Será preconceito meu ver com PÉSSIMOS olhos um profissional - cujo dever seria cuidar da saúde mental de seus paciêntes - que joga um jogo de tabuleiro acreditando piamente estar diante de um oráculo sobrenatural? E que, ao invés de aconselhar e entender a relação de sua cliente com o parceiro, procura receber respostas vindas do além?

Bom, todos temos um preconceito. Esse é definitivamente o meu. Minha sorte foi o oráculo não notar a minha total descrença do começo ao fim da sessão. Senão, quem sabe, Zeus ou Poseidon poderiam me amaldiçoar. Se bem que isso seria bem legal.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

[ Pausa ] Mundo Espiritual

Eu estou em uma fase estranhamente espiritualizada. Talvez sejam os pensamentos sobre vida e morte, talvez outra coisa.

O fato é que tenho pensado muito sobre o meu papel nessa vida. E eu devo reconhecer que, como dizem os espíritas, essa minha encarnação atual tem sido muito boa.

Minha mãe me disse que, quando eu era pequeno, tinha mania de ficar sempre atrás de pitacos de cigarro e copos de cerveja, que era fascinado com isso. Ela acha que, se vidas passadas existirem, fui um boemio na vida anterior.

Se for o caso, talvez um dos objetivos da minha encarnação atual seja me livrar dos vícios. Em relação a vícios como fumar, beber e me drogar devo dizer que já completei o objetivo com total sucesso. Não fumo, não bebo e nem uso droga ilícita nenhuma.

Contudo, desenvolvi outros vícios e acho que preciso, atualmente, de mais disciplina para várias coisas. Dentre esses vícios, acho que tenho comido demais sem necessidade. Portanto, farei um compromisso nesse post de tentar me organizar melhor, de disciplinar mais e de me exercitar mais também. Afinal, faria bem para minha saúde, né?

Acho que vou retomar exercícios físicos. Hoje tive a inspiração de começar a correr. Vou tentar fazer isso.
Tomara que eu consiga. O fato de ter escrito me faz sentir um pouco mais motivado a continuar, justamente pra escrever depois que consegui e que estou orgulhoso de mim.

Só lamentarei se, no final, essa história de vidas passadas e encarnação com um objetivo de crescimento espiritual for tudo uma grande balela. Por que, aí, eu terei perdido tempo correndo e me exercitando quando poderia estar comendo e tendo outros prazeres. Já pensou que grande desperdício de tempo?

domingo, 15 de agosto de 2010

[ Pausa ] A angústia

(Eu pretendo tentar escrever todos os domingos, pelo menos, se eu conseguir.)

Durante essa semana, como na maioria das semanas da minha vida, experimentei extremos emocionais. Senti esperança, desesperança, satisfação, insatisfação, animação e preguiça. E também ocilei entre calma e raiva, amor e indiferença.

Santo Agostinho define o conceito de "angústia" em suas Confissões. Segundo o autor, a angústia é causada pela distenção da alma pelo tempo. A alma que não se reencontra, não sabe de sí mesma e nunca está em paz. Ela não sabe o que é, apenas sabe que não é mais o que já foi, e também não sabe o que será.

A alma se destende pelo tempo e seria essa a angústia primordial de todos nós. Eu, por outro lado, fico me perguntando se não estaria fadada a uma angústia ainda maior uma alma presa a uma alegria sem fim, a uma satisfação infinita, a uma eterna euforia. Agostinho compara a angústia do tempo com uma hipotética felicidade atemporal que ele nunca viu, apenas imaginou.

Em outras palavras: se você acredita que essa vida é ruim, você deve estar comparando-a com outra melhor. Mas que outra? Qual outra vida existe, senão essa mesma? Essa que se distende pelo tempo, repleta de contradições? Que outro mundo há e que outra vida é essa que todos imaginam e ninguém nunca viu, mas que todos tanto aguardam?

Eu, se fosse a vida, não perderia meu tempo com quem se recusa a me aceitar como sou e me trocaria sem pensar duas vezes por algo que somente vive na imaginação.

domingo, 8 de agosto de 2010

[ Pausa ] O chá derramado

O copo de chá se derramou sobre o chão do meu quarto e sobre a minha cama.

Aceitar a finitude e a passagem do tempo não é fácil pra mim. Desde pequeno tenho muito medo de morrer. Aliás, o que me aterroriza é o momento anterior à morte. Aquela hora em que pensarei: "é agora. Daqui a pouco estarei morto". Eu frequentemente imagino essa cena. E me pergunto: onde estarei quando o momento chegar?; estarei jovem, na meia idade ou velho?; estarei calmo e tranquilo ou assustado? E também me pergunto se verei esse momento chegar. Quem sabe seja repentino e eu nem perceba o que me atingiu.

Mas tive uma epifania sobre isso a pouco tempo, e ela gerou o impulso de retomar esse blog. Estava voltando para o meu quarto com um copo de chá gelado na mão quando, de repente, ao colocá-lo sobre o criado, ele caiu, derramando-se na cama e no chão. Meu dia estava ótimo até aquele ponto porem, logo em suas horas finais, quando eu pensava em me deitar e tomar algo refrescante, o acaso me atingiu. O momento me fez refletir muito e me fez perceber que o ocorrido era uma bela metáfora para a vida. Na vida, o chá se derrama. No exato momento em que ele molha o chão e a cama, queremos voltar no tempo e desfazer o acidente. Mas isso não é possível. E, para piorar, ficamos sem o chá e ainda precisamos limpar rapidamente a bagunça, afim de evitar maiores danos. Se não for a maior frustração do mundo, poderia entrar na lista das 10 primeiras. Pelo menos das 100 primeiras.

E por que isso aconteceu? Destino? Acaso? karma?
Bom, ninguém sabe. Mas assim é a vida. Algo que ninguém entende e que nos lembra constantemente que não temos o controle do que nos acontece. Em algum momento, o chá vai derramar. E o que separa um adulto de uma criança não é a idade e sim esse momento. Quando se entende que o curso de uma ação tão simples quanto se deitar para tomar chá pode ser radicalmente redirecionada pelo acaso, entende-se também que não se pode voltar no tempo para apagar o que nos desagrada. Entende-se que acidentes inevitáveis e sem sentido acontecem. Entende-se que, como o chá, nossa vida também vai se acabar, de uma forma ou de outra. E aquele que olha para o chá derramado sem chorar, aceitando que não pode tomar outro rumo senão limpar a bagunça, entendeu que precisamos aceitar nosso caminho pelo tempo. E aceitou que nossa jornada tem um fim, mesmo que seja doloroso.

Assim é a vida. Num dia, bebemos o chá. No outro, o chá se derrama.
Devíamos chorar?
Ou devíamos rir?