
Olá!
Acho que é mais do que comprovada a existência e, inclusive, a recorrência de um certo fenômeno: a filosofia de viagem.
Tratam-se daqueles momentos em que você, seja dentro de um carro ou de um ônibus, começa a pensar na vida, nas questões essenciais, nos problemas, nas soluções e, quem sabe, uma epifania possa surgir.
O relato de hoje não é, apesar da introdução, uma epifania advinda de uma filosofia de viagem. É, pelo contrário, o relato de uma linha de raciocínio que foi jogada em uma direção completamente difente, dadas as circunstâncias.
São 23: 30 p.m.
Um rapaz dirige seu carro calmamente pensando sobre a vida. Ele está no começo do percursso. Sua mente vai divagando entre trabalhos a serem entregues, coisas a serem ditas a amigos, problemas a serem resolvidos, quando - a uma hora dessas - um homem de idade avançada lhe pede dinheiro no sinal. Ele tem um aspecto fantasmagórico.
Isso lhe faz pensar sobre aquelas pessoas que colocam saquinhos - que sempre têm mensagens religiosas impressas - com poucas balas em cima dos retrovisores dos carros nos sinais vermelhos. Primeira dúvida: quem imprimiu essas mensagens para eles? Segunda dúvida: Se eles precisam ganhar a vida nos sinais, devem ter pouquíssimas condições econômicas. Será que eles, portanto, fizeram algum tipo de acordo com seja-lá-quem-for que escreveu aquela mensagem religiosa? Terceira dúvida: No caso de um acordo, os lucros são divididos? Quarta dúvida: É realmente possível viver vendendo balas no sinal? Quinta dúvida: Quem são essas pessoas e como elas gastam o dinheiro que arrecadam? Serão pais de família, por exemplo? Mas essa divagação, como vocês verão, se perderá pelo que vem a seguir.
De repente, algo interrompe os pensamentos do rapaz. No sinal seguinte, uma mulher muito bonita, de cabelos loiros, pele lisa, lábios, olhos e rosto muito bem feitos, parando o carro ao lado do dele, começa a olhá-lo fixamente. Ela, no entanto, não olha como uma mulher interessada em alguém. Não sorri, não mexe no cabelo, porem não desvia o olhar. O rapaz começa a pensar que ela viu algo de muito errado nele, talvez uma sujeira em seu rosto. Mas ela não o olha como se algo de errado tivesse sido encontrado: ela apenas o olha, fixamente, talvez como apenas um fantasma.
Pelo vidro do banco de trás do carro dessa mulher, o rapaz nota que um taxi também está parado no sinal. Seus dois passageiros, um careca e uma mulher de cabelos longos, muito pretos, discutem um com o outro, vociferando, quase se agredindo.
Dúvidas: O que aquela mulher tanto olhava? Será que, ao olhar o rapaz, ela se lembrou, quem sabe, de um ex namorado? Parece não ter tido um final feliz, esse relacionamento. Vai ver, terminou em assassinato. Resta saber de quem: seria a mulher uma assassina ou realmente um fantasma? Outra dúvida: qual seria o motivo da discussão do casal do taxi? Pra brigarem desse jeito dentro de um taxi, a coisa devia mesmo estar séria. Será que a mulher cometeu adultério? Será que eles retornavam de um jantar frustrado e cheios de gafes terríveis com as famílias de ambos? Será que a briga continuaria ao descerem do taxi? Até onde chegar essa discussão tão agressiva?
O rapaz segue. Já está na metade do percusso. Ele se assusta: um carro, mais amassado que uma lata de refrigerante depois de ser pisoteada, bloqueia duas pistas de seu caminho. Algumas pessoas estão em volta do acidente e, para sua surpresa, ele consegue ver nitidamente que três delas conversam aos risos.
Dúvida: Como alguém pode rir em uma situação dessas? Estariam essas pessoas realmente envolvidas com o acidente? Não pareciam, pelos trajes e pelo horário, transeuntes curiosos. Seriam essas pessoas paretes do acidentado? Houve alguma vítima fatal? Seriam eles, portanto, inimigos do recém falecido no acidente? A ponto de rirem enquanto fitam a destruição do veículo de seu inimigo?
O rapaz continua. Já está próximo de casa. Sua atenção é tomada por um homem fazendo cooper na frente de um cemitério.
Dúvida: Por que alguém, às 23: 55, faria exercícios fora de casa e, pior, passando na frente de um cemitério? Seria esse homem, na verdade, o fantasma do falecido do acidente de outrora que, com pressa para ir ao outro mundo, o fazia correndo? Seria ele um fantasmagórigo amigo da loira macabra que, de tanto olhar, parecia nem piscar? Seriam os dois um sinal de mau presságio?
O rapaz segue, agora temendo se juntar aos outros dois. Já está quase em casa. Novamente, algo toma sua atenção: uma mulher de idade avançada, encobrida por roupas pretas - possivelmente um cobertor - esperava, sozinha, no ponto de ônibus. Ela foi vista de relance mas, dadas as circustâncias, fez a mente do rapaz novamente degavar.
Dúvida: Quem abriu as portas do mundo dos mortos?
Finalmente, o rapaz chega ao seu destino. Chega e se pergunta: "Será que algum dia vou descobrir a resposta de alguma das perguntas que me fiz hoje? Possivelmente eu tenha que levar essas dúvidas para o túmulo."
Muito apropriado. Dessa forma, quem sabe, você, rapaz, poderá perguntar pessoalmente a cada uma das almas penadas - a loira, o corredor e a senhora (e talvez o primeiro senhor) - o que resolveram fazer tão tarde (ou talvez tão cedo, no horário dos mortos) no meio da rua.
Existe a remota possibilidade de não serem almas penadas. Mas ela é prontamente afastada pelo rapaz, que parece se divertir imaginando que realmente pôde, por uma noite, ver gente morta.
tem uma redundância no seu texto. 23h deduz por si só que é p.m.. Logo ou vc coloca que são 23h, ou que são 11h p.m..
ResponderExcluirchatisse mode off.
ah, e feliz 4 de julho pra você.
ResponderExcluirEle é um gato e ainda escreve bem.
ResponderExcluirDanadinho esse Saulo :-p
Não, Raul nao pleeease!! Por que ning aqui gosta de Panic at teh disco??!!